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sábado, 16 de novembro de 2019

Sobre idosos e padrões de beleza

às 10:18

Esse texto na verdade é um desabafo! Um desabafo sobre como nós mulheres somos tiranamente destituídas da nossa propriedade de beleza conforme a idade se torna aparente. 


A um tempo atrás, eu tive o grande prazer de integrar a equipe de um desfile de moda muito especial e que sem dúvida foi um dos eventos mais lindos a que já fiz parte: O desfile de Idosos da SCAN.

A SCAN é uma associação de atenção aos idosos aqui da minha cidade, Caxias do Sul-RS. Lá na associação a equipe desenvolve atividades artísticas e de convivência para os idosos. A SCAN também possui um brechó que serve como uma pequena fonte de renda para ajudar com as despesas do local. 

O “Desfile Prateado”, como foi chamado, surgiu da ideia de promover a sustentabilidade e autoestima. Os idosos da associação foram convidados para desfilar com as roupas que são vendidas no brechó. E eu, por um presente do destino, acabei caindo de paraquedas bem no meio desse belo projeto, que juntava justamente duas questões que são muito apelativas para mim: O poder da moda na terceira idade e a perpetuação da vida útil das roupas através do mercado de segunda mão. 

Já falei sobre ambos os assuntos nos textos:
As Vovós Fashion do Advanced Style e Brechós e a Ressignificação da Roupa

Nos dias que estive na associação compondo os looks que seriam desfilados, tive a oportunidade de conversar com todas as senhorinhas que toparam a brincadeira de ser “top model” por um dia. Fizemos questão que todas elas desfilassem com roupas que representassem seu estilo e personalidade, e proporcionassem o máximo de conforto possível, cada item do look foi escolhido a dedo, para que a roupa fosse um beijo de autoestima na vida daquelas Marias. 


Algumas das top models mais lindas desse mundo!
Foram bem mais de 8 meninas desfilando, e tivemos meninos também, mas não consegui fotos de todos. Eu olho essas fotos sorrindo, elas são muito xuxuzinhas. Tantas personalidades, tantos estilos, tantas histórias, tanta riqueza!

Nesse momento meu coração se dividiu em dois. 

Metade dele pulsava de alegria ao ver aqueles sorrisos de admiração por reencontrarem uma beleza a tanto esquecida, suprimida e sufocada pela avalanche que é ser mulher. Minha outra metade gritava silenciosamente por escutar palavras de pesar sobre um corpo envelhecido e uma aparência destituída da beleza exigida pela máquina social. 

Um diálogo repetido inúmeras vezes, com praticamente todas elas, dizia respeito a uma antiga companheira feminina, a meia calça:

“- Eu venho de meia calça no dia né?
 - A senhora tem o costume de usar meia calça? Deve vir como se sentir mais confortável.
 - Não, mas tem que disfarçar as varizes, fica feio vir sem né? 
 - Se for só por isso não precisa não, a senhora é linda e a varizes não chamam a atenção, não precisa se envergonhar delas.”

Uma delas comentou também sobre o engelhado de suas mãos, no momento que eu elogiei a cor do esmalte, passado especialmente para o desfile:

“- Mas minhas mãos são tão feias enrugadas assim!
 - A senhora é linda! E esse esmalte ficou incrível, tem que usar mais, não sente vergonha não!”

Meus olhos marejam ao lembrar disso. Não é justo!

Nós, filhas de Eva, receptáculos de vida, provedoras, aninhadoras, conciliadoras, curadoras, batalhadoras, administradoras da casa, da empresa, da vida. Não é justo ter que carregar nas costas também o fardo da imposição de vergonha por envelhecer. 



Em que mundo a gente vive, que sociedade doente é essa que faz com que a gente sinta obrigação de se esconder, abrir mão de usar o que gosta, ou se forçar a usar o que não gosta, porque considera a evolução natural do corpo humano um defeito, um problema????

Varizes, estrias, pele enrugada, cabelo branco, flacidez, marcas de expressão... Não são vergonha! Vergonhoso é fazerem a gente acreditar que nosso corpo é obsceno por única e simplesmente envelhecer! 

Eu nem sei a quem culpar, não cheguei a uma conclusão sobre a frente de combate da idade ser uma questão política ou uma fatia suculenta a ser explorada pela indústria, ou até um combo maquiavélico de ambos. Só sei que mulher infeliz é uma indústria lucrativa. E mulher com baixa autoestima é domável, dobrável, aprisionável, esse tipo de mulher não representa perigo, não reivindica poder, só faz o que é suposto que faça, como um hamster propositalmente distraído com sua rodinha estrategicamente controlada.

Enfim, esse é um assunto denso, para ser explanado em outro momento, mas recomendo muito a leitura do livro O Mito da Beleza de Naomi Wolf. Para quem quiser, tem resenha dele clicando aqui. Já falei brevemente sobre isso também em outro texto, Vítimas da Moda.

No mais, meu único desejo é que aquelas senhoras da SCAN consigam ver a beleza que eu vejo nelas. Uma delas chorou ao se olhar no espelho, me confidenciou que estar bonita assim para o desfile seria o presente de aniversário dela. Ouso acreditar que plantei uma sementinha de autoestima no coração de todas elas naquele dia. 


Desfile Prateado da SCAN em Caxias do Sul-RS, 31/10/19.
Aliás, meu desejo se estende a todas as mulheres. Que todas nós vejamos essa beleza umas nas outras e em nós mesmas! E no que depender de mim, vou seguir lutando pela conscientização da beleza feminina em qualquer idade. Nós somos lindas, pelo simples fato de sermos quem somos.

Envelhecer é existir, é perpetuar pelo tempo que Deus consentir. Envelhecer e é estar vivo, e viver é divino! Que tenhamos a sabedoria de celebrar com plenitude nossa evolução humana!




Beijos <3

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